terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Filme:O Lado Bom da Vida encontra o equilíbrio em meio à loucura


O diretor e roteirista David O. Russell (“O Vencedor”) é uma espécie de alquimista cinematográfico. Sem arroubos de criatividade nem propor inovações à arte, ele consegue transformar o trivial em um passatempo extremamente prazeroso. Para tanto, tem o cuidado de entregar o seu precioso texto a atores gabaritados, deixando-os agir à vontade, sem interferências. O resultado são performances bem naturais, marcantes e cativantes, dignas de reconhecimento. Com “O Lado Bom da Vida”, Russell cunhou sua pedra filosofal: o longa recebeu oito indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e todas as quatro categorias de atuação (Melhor Ator, Atriz, Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante), feito que não ocorria há mais de 30 anos – desde “Reds” (1981).
A expressão do título original, “Silver Linings” é um dito popular da língua inglesa, uma metáfora do otimismo, a ideia de que mesmo uma situação ruim pode trazer algo positivo. Esta é a cartilha que segue Pat Solano (Bradley Cooper, de “Se Beber, Não Case!”, surpreendente), depois de ser liberado do manicômio judiciário onde esteve preso por oito meses, após agredir furiosamente o amante de sua esposa. Diagnosticado com transtorno bipolar, ele volta a morar com seus pais na tentativa de reconstruir a vida e alimenta o sonho obsessivo de reconquistar a esposa.
Uma ordem judicial o impede de se aproximar da ex-mulher, mas Pat apela para que amigos em comum estabeleçam uma comunicação entre o casal. Em um jantar familiar com segundas intenções, ele conhece Tiffany (Jennifer Lawrence, de “Jogos Vorazes”, fantástica), jovem problemática que, assim como ele, vive afundada em remédios, desde a morte inesperada do marido. Entre uma discussão e outra, uma relação inusitada entre os dois se estabelece quando ambos enxergam a possibilidade de superarem seus problemas ajudando um ao outro.
A medida que o filme avança, percebemos que não é só Pat que sofre de distúrbios mentais. Todos os demais personagens ao seu redor também carregam algum tipo de “loucura”: sua resignada mãe (Jacki Weaver, de “Reino Animal”) concorda com todas as bizarrices que seu pai (Robert De Niro, de “Sem Limites”), um ludopata cheio de manias propõe; seu amigo Ronnie (John Ortiz, de “Força Policial”), está à beira de uma crise de nervos, vítima do consumismo desenfreado da esposa Veronica (Julia Stiles, de “O Ultimato Bourne”); e Danny (o sumido Chris Tucker, de “A Hora do Rush”), um ex-colega do sanatório, é um mentiroso compulsivo que vive fugindo da clínica psiquiátrica.
A narrativa verborrágica e a edição veloz procuram inserir o público na realidade distorcida em que vive o protagonista. Russell casualmente filma com a câmera na mão para que a plateia compreenda toda a ansiedade por qual passa seu personagem principal. Hábil, ainda consegue inserir um humor fino em ocasiões surpreendentes pontuadas por diálogos afiados, sem nunca parecer exagerado.
Mas se a fórmula funciona, é porque há cumplicidade dos atores. A química entre Cooper e Lawrence “dá liga”, cativa, levando a plateia a torcer por eles até o final, mesmo com a previsibilidade batendo à porta no último ato. Já De Niro é um show à parte, entregando uma performance divertidíssima como não se via há anos.
No fundo, “O Lado Bom da Vida” pode ser considerada uma comédia romântica convencional, do casal que se odeia à primeira vista apenas para viver feliz para sempre, mas enquanto serve uma típica Sessão da Tarde, também registra a possibilidade de equilíbrio em meio às neuroses. Sua busca pela felicidade não julga a “loucura”, apenas a retrata, tentando atenuar a equivocada leitura que se faz dela. Todos temos manias, opiniões surreais, idiossincrasias.
Além disso, o filme ainda passa uma bela mensagem de superação, que é preciso saber lidar com as frustrações, não se abater e seguir em frente, pois, nem sempre o universo conspira a favor. Como diria, Marcel Proust, “para tornar a realidade suportável, às vezes, todos nós cultivamos pequenas loucuras”.

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