sábado, 10 de março de 2012

Poder sem Limites encontra um novo modo de filmar super-heróis


Não há como assistir a “Poder sem Limites”, o promissor filme de estreia do jovem Josh Trank, sem imaginar que se trata de uma versão teen de “Corpo Fechado” (2000), do diretor M. Night Shyamalan. Afinal, enquanto o longa do também promissor (pelo menos na época) Shyamalan tinha um maduro Bruce Willis lidando com a asfixiante descoberta de seus superpoderes, aqui temos basicamente a mesma situação, mas, desta vez, acontecendo com três jovens na faixa de seus 17 anos.
E embora o filme também possa, à primeira vista, parecer apenas mais um dos inúmeros subprodutos do gênero câmera subjetiva (como “A Bruxa de Blair” ou “Cloverfield”), o trabalho feito em conjunto por Trank e o roteirista Max Landis (filho de John Landis, diretor de “Um Lobisomem Americano em Londres”) consegue escapar das restrições impostas pela estética adotada e estabelecer-se como uma obra de extrema criatividade e inteligência.
O filme conta a história de três amigos, Andrew, Matt e Steve, que encontram, em um terreno abandonado, um estranho artefato alienígena, cujo visual lembra vagamente a nave do bebê Kal-El, vista no “Superman” (1978) de Richard Donner (cuja influência também é clara, em especial num determinado resgate em um hospital). Após essa descoberta, os três percebem que adquiriram habilidades telecinéticas, podendo mover os objetos com o poder da mente.
Mas, ao contrário de Peter Parker, eles não pensam em lutar pela justiça, e sim se divertir com as novas habilidades, seja assustando as pessoas, tentando levantar a saia das meninas ou movendo carros dentro de um estacionamento só para confundir os motoristas. À medida que seus poderes vão aumentando, fica claro que será preciso mais do que apenas o bom senso para evitar que problemas maiores possam ocorrer.
Para dar à trama fantasiosa, típica de quadrinhos, um senso de realismo, as imagens são apresentadas como um “falso documentário” amador. E como em todo filme do gênero câmera subjetiva e “found footage”, “Poder sem Limites” necessita de uma boa dose de boa vontade para aceitar que alguém realmente se dedica a filmar tudo a todo o momento. Quem se incumbe da função no filme é o tímido e pouco sociável Andrew (Dane DeHaan, da série “True Blood”, numa interpretação impressionante), cuja motivação para pegar a câmera nunca é bem explicada: ele resolve começar a filmar tudo simplesmente porque lhe deu vontade.
Com uma mãe doente e um pai alcoólatra e abusivo, Andrew é o típico adolescente problemático, enquanto seus amigos Matt (Alex Russell, de “Wasted on the Young”) e Steve (Michael B. Jordan, da série “Friday Night Lights”) ocupam o lugar do primo gente boa e do aluno popular, respectivamente. Essas características específicas podem até soar como estereotipadas – e o são – , mas funcionam de maneira eficiente no sentido de estabelecer o perfil de cada um e como será seu comportamento frente aos novos poderes.
Desta maneira, enquanto Matt e Steve buscam esconder seus poderes e definem até mesmo regras para sua utilização, Andrew vê neles a oportunidade para reverter toda uma vida de frustrações e abusos, tanto por parte de seu pai como dos colegas da escola e do bairro onde mora. E se faz parte da adolescência considerar-se imune a quaisquer perigos e virtualmente onipotente, o que dizer quando isso acontece com uma pessoa capaz de voar entre as nuvens e esmagar um carro com suas próprias mãos?
O diretor Josh Trank consegue situar esta dicotomia de forma clara, deixando espaço ainda para uma discussão interessante sobre a evolução do homo sapiens e sua relação com as criaturas supostamente inferiores (tema também discutido na saga “X-Men”). Assim, a partir de sua metade, o filme cria uma angustiante expectativa de que algo terrível venha a acontecer – o momento em que Andrew despedaça uma aranha é simplesmente aterrador. E como em “Carrie, A Estranha” (1976) e no anime “Akira” (1988), referências listadas no roteiro arquetípico, o descontrole e a fúria chegam de forma acachapante e apoteótica.
Para fugir do esquema de usar apenas uma câmera e, principalmente, do irritante tremor causado pelo amadorismo ou pelo nervosismo de quem a carrega, Trank entrega uma solução, no mínimo, criativa. Como seu poderes telecinéticos, Andrew é capaz de colocar a câmera em qualquer lugar que queira, fazendo-a flutuar pelo espaço sem problemas.
A clara sensibilidade e imaginatividade do garoto também funcionam para “explicar” os movimentos e posicionamentos executados, que variam desde o plano médio básico até travelling circulares e planos plongeé (quando a câmera filma de cima para baixo). Mesmo nos momentos mais explosivos do longa, Trank consegue surpreender com novas formas de explorar a narrativa da filmagem subjetiva, com os registros surgindo em câmeras de segurança, celulares e tablets. Signos de um mundo que se filma cada vez mais. Ainda que a ex-namorada de Matt surja um pouco forçada, ao também resolver filmar tudo o que vê, demonstrando, na melhor das hipóteses, como algumas blogueiras podem ser bem chatas.
O filme é tecnicamente brilhante. Os efeitos especiais casam-se perfeitamente às filmagens caseiras e em nenhum momento entregam o orçamento reduzido do filme – seus US$ 20 milhões são troco perto dos US$ 160 milhões de “X-Men: Primeira Classe”. Da mesma maneira, a edição de som é fundamental para a sua apreciação, com o áudio soando abafado nas cenas de vôo, desaparecendo quando necessário (nas cenas filmadas por câmeras de segurança) e marcando de forma efetiva a emoção dos rapazes (como a respiração ofegante de Andrew ao perceber, pela primeira vez, a extensão e as possibilidades de seu poder).
Com um clímax de causar inveja a muito blockbuster de super-herói produzido nos últimos anos, “Poder sem Limites” revela-se como uma das mais interessantes e inovadoras propostas do gênero. Aqui não há nenhum tio bonzinho para dar conselhos ou um mordomo que encomende roupas espalhafatosas. Mesmo quando usa seus poderes de forma incorreta, Andrew não busca conquistar o mundo, mas ganhar popularidade e ir à forra. Não há ameaças alienígenas ou vilões de capa vermelha. Há, sim, um diretor extremamente talentoso e seguro de suas escolhas – mesmo as mais inverossímeis – que fez uma obra capaz de referenciar todos os filmes que o antecederam em seu gênero e, mesmo assim, ser empolgante e original.
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Poder sem Limites


(Chronicle, EUA, 2012)
Via:Pipoca Moderna

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